sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Sobre tempo e cores

De repente, metade da vida dela havia passado. Mas não como aquele tempo que, geralmente, não se sabe para onde foi. Na verdade, ela quase podia contar todos os dias intermináveis, as ondas de insegurança, as noites em claro, a vontade de largar tudo; e é disso que se faz a metade de uma vida. O que tirava aquela mulher do sério era outra coisa, já que contabilizar o tempo era possível: o que ela faria com a outra metade da vida que ainda tinha. 

Não era justo que ela ainda lidasse com tanta dor, com arrependimentos inviáveis, com festa estranha, com gente esquisita; ela queria mais... Mais do que só acordar, comer, suspirar, dormir, acordar, comer, suspirar e dormir de novo, e de novo, e de novo. Ela acreditava que - fazendo as contas com mais zelo - não tinha mais outra metade para viver; pensando bem, os olhos voltados para o teto do quarto onde havia uma calculadora imaginária, ela tinha mais, no máximo, 4/5 de vida. Sem contar com a falta de humor de ter que partir amanhã, ou hoje a noite, dormindo. 

Além de toda essa matemática de alma com a qual ela precisava lidar, ainda era necessária outra ginástica mental: enterrar na gaveta da esquina de sua mente tudo que ela não fez nessa primeira metade da vida e que, obviamente, não seria mais possível realizar. Onde ela poderia enfiar tudo isso? E como ela faria? Embrulhando com cuidado, ou jogando de qualquer jeito, sem ler o rótulo e as contra indicações? Ela organizaria por ordem de importância, de tempo, de se-quase-então?

Sem resposta certa, saiu pegando tudo que conseguia lembrar, indo das mais recentes às mais antigas e foi guardando por cores; preta as doloridas, branca as que queria ter esquecido e não foi capaz, lavanda as de mais ternura, verde as que gostaria de ainda levar no coração, amarela as que a faziam sorrir. Como ainda sobrou muita coisa, ela jogou tudo no cinza. E precisou de mais de uma gaveta, é bom que fique claro. 

Um pouco mais leve, ela levantou, foi até a janela do quarto e ainda alcançou o finalzinho do pôr-do-sol (sentiu falta do laranja na classificação, mas não quis desembalar tudo de novo). Suspirou profundamente, que seu peito chegou a doer com o esforço, e pensou: já tive mais a perder, preciso me convencer que daqui pra frente eu tenho mais a ganhar. Mesmo só com 4/5 adiante e com tão poucas cores pra tantas coisas inacabadas, ela sabia que não podia fugir de viver o que ainda faltava.