sábado, 27 de agosto de 2011

Praticando o Desapego


Esta crônica é atribuída na internet à Martha Medeiros. Não sei se o é, apesar de ter vários traços da escritora fantástica em suas linhas. Dou o crédito como recebi e, sendo dela ou não, o texto é lindo e tem um significado importante em minha vida hoje.
Espero que tenha na sua também.


No mural do colégio da minha filha encontrei um cartaz escrito por uma mãe avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa, pois a família voltaria a morar nos Estados Unidos.

O cartaz dava o endereço do bazar e o horário de atendimento. Uma outra mãe, ao meu lado, comentou:

- Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.

- Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.

Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi tudo, e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar, aparelho de som, tudo o que compõe uma casa.

Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi. Às vezes o interfone tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido comentar que ali estava se vendendo uma estante. Eu convidava pra subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto. Além disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e lá se iam meus móveis e minhas bugigangas.

Um troço maluco: estranhos entravam na minha casa e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais nu. No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a geladeira e a tevê. No último, só com o colchão, que o zelador comprou e, compreensivo, topou esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou de brinde os travesseiros.

Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material.

Nunca mais me apeguei a nada que não tivesse valor afetivo.

Deixei de lado o zelo excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para se amar. Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que torna-se cada vez mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes, não importa o tempo que estiveram presentes na minha vida.

Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos Estados Unidos a mesma emoção que tive na minha última noite no Chile.

Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época tinha 2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia muito frio. Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da manhã, já que não tínhamos nem uma xícara em casa. Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de leveza:

Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as emoções todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde.



" possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir"

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Uma Paixão e Duas Cores: Coisas de Futebol




Não há de ser coisa passageira. 

Passageiro é uma dor de barriga, uma dor de ouvido, dez dias no mês sem dinheiro, menstruação, raiva no trânsito, vontade de comer brigadeiro a baldes. 

Esse, não. Esse é daqueles sentimentos que chegam e ficam. Gosta de instalar-se no mais profundo do coração e ponto final.

Quantas mulheres você já amou em sua vida? 
Quantos homens você vestiu de smoking e casou em seus devaneios?
Quantas vezes você mudou de emprego nos últimos vinte anos?
Quantos times você torceu nesse tempo todo?
Opa...! Alto lá! Time, não. 

Paixão por futebol é imutável, um troço estático. Como bem disse Mário Filho (esse mesmo que emprestou o nome ao Maracanã): "É mais fácil deixar de amar uma mulher do que um time."

Futebol é praticamente religião. Você veste a camisa do time como se fosse um manto sagrado, canta o hino do clube como se fosse o Glória! e reza pro goleiro agarrar o bendito pênalti como se estivesse pedindo a salvação eterna. Mas o sentimento - apesar de bem diferente em propósito - é infinitamente igual em intensidade.

Ninguém aprende a amar um time. Não dá para saber em que momento exato da vida você começou a torcer pelo "seu" time. Sim, porque ele passa a ser seu...! É a derrota dele que acaba com seu bom humor na sexta e a vitória dele que faz da sua segunda um sábado disfarçado. É o gol de placa que o lateral desgraçado-que-nunca-acerta-um-passe faz, que tem o dom de deixar os problemas do dia a dia em segundo plano.

Você pode até lembrar do primeiro dia que seu pai lhe levou ao estádio, da primeira vez que assistiu uma decisão, do primeiro campeonato que seu time ganhou, mas não foi em nenhum desses momentos em que o caso de amor começou.

Na verdade, você já nasce com as cores do seu time gravadas no seu coração. Com o tempo, elas vão ficando mais vivas, mais fortes, até que se confundem com quem você é e.. pronto! Você deixa de ser um e se torna onze. Em campo.

E como não podia ser diferente, esta que vos fala também é torcedora. E sou alvinegra. Tenho o dia e a noite gravados dentro de mim e, como a grande maioria, já nasci assim. 


E levo a paixão pelo meu time a sério: torço, grito, mando, desmando, digo que odeio, depois do gol digo que amo, conserto esquemas táticos, faço substituições (inclusive de técnicos), contrato, demito, rio e choro quando é necessário. 

Agora, parafraseando Mário Filho, digo com absoluta certeza.. "É mais fácil deixar de amar um homem do que o Ceará!"